sábado, 30 de outubro de 2010

COM GENTE ESPERTA NÃO SE BRINCA, um conto de Adameve El Salem

Um dia o Rei Baaf ordenou a um de seus arautos que convocasse a todos os escritores do reino para comparecer ao seu palácio. Seu objetivo era solicitar a estes intelectuais que escrevessem belas histórias sobre ele.
"Chame também ao sábio AMMAR AL AMMAR, se ele é realmente sabido, fará parte deste evento!"
Reuniram-se todos eles no salão principal. Sobre uma mesa estavam empilhados dezenas de rolos de papiros, penas de pavão da Índia e tinta nankin especial.
"Não podem escrever cada um de vós, mais que uma página elogiando meus feitos e terão toda a manhã para realizar esta nobre façanha! Ficarão famosos, pois elas serão lidas em todos os recantos de meu reino!" Enquanto falava, olhava de soslaio para AL AMMAR, como a dizer: "desta vez você se estrepou meu filho!"
À tarde, após um rico banquete, com toda a corte reunida, se dirigiram ao coreto da praça, onde o povo aguardava ansioso a leitura das histórias.
"Era uma vez um Rei muito sábio, muito inteligente e bondoso..." "Certo soberano dono de uma beleza invejavel..." "Um Rei muito fiel à sua amada esposa Rainha...." "As moedas de ouro que o Rei guardava eram destinadas a socorrer seu povo..."
A Corte enquanto ouvia, vibrava de alegria, com as mãos engorduradas de carne reluzindo os seus anéis de ouro, com suas insígnias referentes a seus cargos. Estavam felizes pois sabiam que desta forma aquele sistema permaneceria para sempre, sem nunca ser abalado e assim poderiam viver na maior riqueza à custa do sofrimento do povo.
"E vós Grande Al Ammar que tendes a ler?"
O Sábio não havia escrito nada. Seu papiro estava em branco, enrolado como o apanhou sobre a mesa.
"Habib, não poderia deixar passar este momento em branco. Leia vós mesmos, as belas palavras que estão escritas neste rolo. Só o mais honesto dos homens poderá ler o que está escrito aí!"
Baaf desenrolou o pergaminho que estava em branco. Começou a gaguejar: "Eu... go...gosto.... mu...mu...muito....do Rei....eu acho acho...acho...que o Rei é bom...." O povão percebeu e começo a rir sem parar. Baaf tomou rapidamente o papiro de suas mãos e disse: "Agora leia de novo meu caro Soberano!". Baaf suava da cabeça aos pés: "Eu......." Ele não conseguia relembrar o que havia inventado anteriormente e o nervosismo embaçou mais ainda a sua memória. O povão ria e vaiava a Baaf e sua corte. AL Ammar entregou-lhe mais vinte rolos em branco e disse para o Rei: "Aqui tem mais histórias sobre você! São páginas em branco e se referem ao seu domínio sobre o povo que passa uma vida em branco, com a barriga vazia, as casas desprovidas de bens de consumo, os filhos sem futuro algum. Se houver uma bela história, que o povo a escreva com a espada em punho!" E saindo apressadamente da praça saudou a Baaf e à sua horrorosa corte: "Maçal El Kheir! Maçal El Kheir! Maçal El Kheir"

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

PARÁBOLA SOCIAL, escrita por Adameve El Salem

Andava o sábio Al Ammar pelas ruas empoeiradas e cinzentas de Al Kibir, esquivando-se entre os mercadores apressados, dançando suas somboras embriagadas sobre os fardos e as pedras, quando se encontrou com seu antigo amigo Assef. "Como vai querido Mestre?" "Devias mesmo perguntar como eu vim e não como eu vou!" Porque?" "Estou vindo da cidade de Acaz e lá passei por épocas terriveis!
"Sim" respondeu Assef "e o que se deu por lá?"
"Então queres saber? Primeiro foram os tempos do leão que precederam o momento da coruja. Então chegaram os dias do rato. No meio deles reinou sobriamente a coruja. Alguns dias após, como por encanto, apareceu o chacal, porém, a imensa águia sobrevoou e consegui escapar de lá."
"Quer dizer", suspirou Assef, "que houve uma proliferação de animais provocando uma tremenda destruição?"
Al Ammar fitou-o com seus olhos do mais doce mel da sabedoria: "vou-lhe explicar a parábola. Quando cheguei àquela cidade, observei de imediato que a injustiça reinava solenemente. Os que possuiam grande riqueza exploravam impiedosamente aos que trabalhavam sol a sol. À beira de seus suntuosos palácios, enquanto lá dentro dormiam o pesado sono de suas gulas, lá fora morriam de fome e desespero seus súditos. Os ricos regavam suas refeições com vinho e os pobres bebiam água suja entre os calos de suas mãos para amaciar pães disputados com ratos e os abutres. Na busca de alimento ninguém sabia quem era mais faminto, se os homens ou as aves de rapina.
Estes foram os dias de leão. Dominava triunfalmente o soberano. À noite sob a bênção do orvalho e os olhos cintilantes das estrelas, reuniam-se os insatisfeitos. Estes aumentavam cada vez mais, enquanto teciam sua rede de conspiração. Esta foi a época da coruja.
Com isto houve uma desestabilização do sistema e o sultão enfraquecido, começou a perder o controle da situação. Iniciou-se saques, roubos, sequestros em toda parte. Neste período dominou a era do rato.
Das sombras e do silêncio das horas sairam os conspiradores e reorganizaram Acaz. Derrubaram a corte e passaram o sabre pelo pescoço dos tiranos. Reduziram os impostos e estabeleceram a igualdade, a fraternidade e a liberdade, conforme nos ensinaram os códigos divinos.
No segredo da verdade reinava a coruja.
Porém, os que se beneficiaram com o velho regime e que acumularam riquezas muito além de suas necessidades, fugiram para cidades vizinhas, alugaram mercenários e cercaram Acaz. Foi o momento do chacal, aquele que ronda as colinas, enquanto dorme o povoado.
Nossos víveres que já eram escassos, começaram a faltar. Os dirigentes consultaram a Távola dos Anciões e Sábios para escolher uma decisão segura.
Eles pediram que reunissem o maior número possivel de folhas secas, madeiras, tecidos e palhas em frente à cidade.
E quando o vento noroeste chegou à surdina, tocaram fogo naquele entulho. A fumaça, como um novelo insuportavel se adentrou pelas fileiras dos mercenários. Guerreiros acazianos fantasiados de bruxas, vinham atrás gritando: nós somos as maldições sobre vós!
Os guerreiros de aluguel acreditando ser aquilo uma verdade, bateram em retirada, enquanto uma chuva de flechas esvoaçando os céus, caia sobre eles. Estes foram os dias da águia. As corujas e as águias estudam nas mesmas escolas dos penhascos e das montanhas!"
Al Ammar e Assef desapareciam silenciosos pelas ruas estreitas do mercado de Kibir, virando mais uma página fascinante do mundo oriental.

domingo, 10 de outubro de 2010

ATENÇÃO: O SÁBIO AMMAR AL AMMAR NÃO É O POETA AMMAR AL ANDALUSI QUE VIVEU NA REGIÃO PORTUGUESA DO ALGARVES(região árabe)-Respondendo a email de um leitor.

OS SONHOS DO REI, escrito por Adameve El Salem

Nem toda a magia da sabedoria oriental, poderia intuir a inquietude do Califa Baaf com respeito a seus sonhos. Mas para quem possuia as pérolas mais finas e preciosas do Oriente, que deslizava em tapetes persas e montava alazões velozes como o pensamento, aquelas noites mal dormidas representavam muito.
No primeiro pesadelo, por assim melhor dizer, o Califa viu-se andando nas ruas, como se fosse um sombra que ninguém percebesse.
Gesticulava e bradava: "Eis o Grande Baaf, o descendente da Casa de Maomé,lech hêk não me vêem? Isa bitrid estou aqui! O Senhor absoluto deste reino!"
Nenhum dos seus vassalos o viam. Passavam por ele como se fossem brisa. Até os cortesãos mais próximos não lhe davam a mínima importância.
Em outra noite, Baaf sonhou que um vendaval impetuoso varrera todos os seus domínios da face da Terra. Smalla Alik!
Numa linda noite de luar,(linda para todos, menos para ele), viu-se multiplicar-se e chegar a vários lugares ao mesmo tempo, onde ele mesmo esperava por ele mesmo e dizia: Maçal el kair, venha Baaf que há muito estou te esperando!
Desesperado convocou os mais famosos adivinhos para decifrar seus sonhos, porém mais uma vez, nenhum deles lhe dava uma interpretação que o acalentasse.
Mais uma vez, Ammar Al Ammar subiu as escadarias do seu palácio para resolver-lhe as angústias de seus sonhos.
"Veja senhor, os teus sonhos são decifraveis como as rotas das caravanas! Todos os sonhos preambulam pelo mundo astral. Quando sonhastes que teus vassalos não te reconheciam, sonhastes com a realidade dos reis, que só detem a simpatia dos povos através do peso do poder. Eles te reverenciam pela opressão que vem de ti e não pela admiração por ti. No universo pensante de seus corações, Baaf não vive nem um segundo.
Quanto ao vendaval, significa que a era dos tiranos está passando. Os povos não acreditam mais nas mentiras dos poderosos e dos usurpadores. Estão tomando consciência de outra realidade. É como se fosse um tufão chegando de surpresa.
Quanto ao terceiro sonho, onde Baaf sempre espera por Baaf em diversas partes, podes ter certeza, que o soberano acordou antes do fim do sonho. Poderia ser assim: Venha Baaf, há muito te espero. Você poderá ser amanhã, melhor do que foi ontem. Todo homem tem dentro de si uma centelha da bondade divina. Este candeeiro suspenso dentro do coração, quando brilha, dissipa e afasta todas as sombras de maldade, transformando por completo este homem!"
Muitas vezes um homem acorda de um sonho, para continuar dormindo nas ilusões da realidade. Allah iêr-hamu!

O CALIFA, AS LUZES E O SÁBIO, escrito por Adameve El Salem

Conta-se que certa vez, o Califa Baaf Sem contemplava da torre de seu palácio, uma linda noite estrelada. Desviando seu olhar em direção ao deserto, viu pequeninas luzes brilharem ao longe.
Nada lhe poderia passar despercebido, principalmente a um homem cujo poder de maldade destroçara caravanas, oásis e vidas; assim muito lhe preocupou aquelas cintilantes luzes.
Intrigado, chamou seu Grão-Vizir e lhe mostrou o estranho aparecimento. "Ora, são apenas os olhos das feras do deserto brilhando na escuridão!" Exclamou seu Conselheiro Mor. Isto não convenceu ao Soberano. Solicitou ajuda a outro ministro: "Vós que sabeis ler o destino nas mãos e nos astros, dizei-me nobre criatura, que luzinhas são aquelas!" "Caro Baaf, são as luzes das estrelas que refletindo sobre as folhas de tâmaras de algum oásis lançam-lhe brindes de louvor!"
Nada disto confortou ao Califa que mandou buscar o Sábio Ammar Al Ammar para lhe desvendar aquelas aparições noturnas.
"Veja meu caro Baaf, são as luzes das mentes dos grandes homens que compoem a Grande Idéia de Justiça e Igualdade, que à noite se reunem para sonhar e idealizar um mundo mais justo, fraterno, livre e igual. Podereis mandar todo o vosso exército destroçá-los, mas jamais os destruirá.
A Grande Idéia é eterna. Ela é a filha mais querida do Amor Supremo. Viaja na barca da consciência, voa nas asas da justiça e no ventre começa sua idealização do germe que será.
Estendei os limites do vosso reino aos sofridos. Não atacai as caravanas do deserto para usurpar suas riquezas, mas levai água e comida aos famintos e aos camelos. Não tirai a vida de ninguém porque não vo-la possa dar. Fazei de vossa corte o salão dos necessitados.
Só assim aquelas luzes se apagarão! Allah Maik!"